Estou
rendendo-me ao cansaço, a fraqueza física e ao descontrole íntimo, muito
próximo de por fim nas minhas buscas! Na verdade, cheguei a atravessar rios,
rodear florestas, escalar montanhas, indo além que terra e mar, e
nada! Meus amigos simplesmente desapareceram! Estou ao ponto de
vomitar e perder a cabeça!
Vivo diariamente
calculando o lugar donde errei, determinando pontos, associando colchetes e
abrindo parênteses! Mas, infelizmente, não consigo encontrar respostas
concretas e nem entender o motivo certo de terem-me abandonado! Talvez não
sintam qualquer remorso, ou mesmo, não tenha sido eu uma melhor companhia!
Nossa! Ainda
lembro-me de quando éramos crianças! As lembranças vagueiam em minha
consciência voadora, desnorteando-me incessantemente! As verdades que digo e os
sentimentos que sinto, não me deixarão passar por mentiroso! Afinal de contas, partilhávamos
de coisas tão íntimas, tão intensas e tão profundas! Era tudo tão mágico, excitante,
comovente e tentador, ao qual nunca me esquecerei disso!
Por que isso
agora? Por que me deixaram tão só, amargurado e preso num marasmo? Tenho muito
que falar, muito que perguntar e muito que aprender! Novidades não faltam para
contar, criticar ou favorecer, sabendo que as fofocas não param, simplesmente
voam!
Donde se meterem
esses bandeirantes? Onde, como, ou a quem recorrer?
Éramos tão felizes, tão presos um ao outro, tão companheiros, tão dependentes e cheios de vida! Não consigo imaginar o motivo desses deslizes, quando me abandonaram e separaram de mim!
Éramos tão felizes, tão presos um ao outro, tão companheiros, tão dependentes e cheios de vida! Não consigo imaginar o motivo desses deslizes, quando me abandonaram e separaram de mim!
Sempre os tratei
amigavelmente, sem arrogância, sem ironia, sem hipocrisia ou comparações!
Nenhum momento deixei de ampará-los, de ouvi-los, de agradecê-los e de amá-los!
Não fui negligente, nem egoísta, nem praguejador e muito menos farsista!
Hoje me entrego
ao caos dos meus anseios, inspirado pela agonia, esperança, vergonha e dor!
Estou sendo guiado pelo cansaço, pelo vazio e por insistentes procuras! Valerá
a pena insistir?
Vivo de
suspeitas, de expectativas, de suposições e desconfianças, imaginando coisas,
criando histórias, roendo livros e valendo-me de buscas eletrônicas! Até onde
vai parar essa “levanta a caça”? A tecnologia está ai me proporcionando
caminhos para maiores investigações e pesquisas! Mas, infelizmente, parecem que
esses meus amigos realmente sumiram do mapa!
Os computadores
até que podem me prover de benefícios, trazendo-me seus armazenamentos de
dados; mas, porém, não conseguem materializar meus amigos para mim! Isso não
existe! Além de que, eles são feitos de carne e osso, e não constituídos por
mecanismos, fios, latas, sensores ou pedras, apesar de senti-los como os tais.
Andando pelas
ruas vejo seus rostos estampados nos outros: um de cor de jambo chamou-me
atenção; outro, de trigueira e púrpura atentou-me à observação! Também não
esquecerei os brancos cor de neve, os de claras de ovos e os rostinhos em lua
cheia!
Tudo me lembra
vocês, bando de amigos ingratos e mal agradecidos!
Oh inseparáveis companheiros! Para onde foram e para onde desapareceram? Por que me desamarraram e deixaram-me assim tão só, tão carente e sem força?
Oh inseparáveis companheiros! Para onde foram e para onde desapareceram? Por que me desamarraram e deixaram-me assim tão só, tão carente e sem força?
Não consigo
conter as lembranças! Elas me machucam, me isolam e esmagam meus neurônios! É
terrível! Por mais que penso, não quero ficar reproduzindo aquilo que fazíamos
no passado! Isso me agonia, me entristece e me apavora!
Éramos peraltas
sim, e intensamente bagunceiros! Lembram-se de nossas conversas tolas às cercas
do pasto e do galinheiro? E quanto às campainhas acústicas, quando acionadas em
rebelião? Guardo nas lembranças as nossas roupas tão justas e encardidas, que
as chamávamos de bate enxugas quando postas, somente aos sábados, sobre os
varais!
Lembro-me que
falávamos de coisas tolas, tão loucas, tão indecentes, tão maliciosas, tão
malucas e tão nojentas, não é verdade? Eram tantas bobagens, tantas azarações,
tantos deslizes, tantas malícias e tantas propagações!
Talvez não
possam ler esses meus sinceros e suplicáveis discursos! Talvez nem se lembrem
do que havíamos feito e vivido no passado! Ou mesmo, nem possam sentir as
mesmas compulsões e expectativas ao qual venho sentindo durante muito tempo!
Quem sabe, nem se lembram mais de mim!
Eu era aquele
jovem palhaço, um atleta desajeitado, um portador de miopia e admirador de
lentes! Gostava de tocar piano, cuja flauta ignorava! Amava andar a cavalo,
cujo pai me ensinava!
Hoje, posso afirmar
que sou um jovem adulto esperançoso, que cresce, mas não amadurece; que
aumenta, mas que continua diminuindo! Devidas saudades que não passam, anseio
em vê-los urgentemente, recordando do tempo em que éramos apenas quatro ou
cinco!
Assim crescemos
juntos, naquela rua desengonçada e ladeada por cercas e muros! Não era favela,
mas também, não podíamos considerar nossas casas como palácios! O importante
fora que nos conhecemos ali, naquele lugar simplório e sem muitas luxúrias, ao
qual passamos nossos melhores momentos e nossas melhores aventuras!
Ali traçamos caminhos e idealizamos grandes
planos, não é verdade? Estávamos aliados numa só corrente, lembram-se disso?
Corrente essa de curto alcance, encontrada largada para o lado e reduzida aos
farrapos e aos milésimos pedaços! Sim, pedaços de associamentos, de cumplicidades,
de lealdades e de amizades!
Tenho que me
acostumar com isso, com a individualidade, comodidade e implicações do dia a
dia! Coisas essas que levamos nós, grandes amigos, a entrarmos em choque nesse
mundo externo de cão! Um mundo individualista, sem paz, sem ordem, sem padrões,
sem brilhos e sem amizades!
Preciso
urgentemente desprezar essa ânsia no peito e concluir logo as minhas anotações
e buscas! Estou cansado demais para ficar correndo atrás do vento, atrás de
quem não me quer mais como amigo íntimo!
Tenho que
conformar que meus amigos simplesmente desapareceram! Acho que não voltarão
mais e nem se lembrarão desse velho sonhador, pobre e rejeitado; sendo inútil
reconstituir os cacos de quem não me corresponde mais nenhum agrado!
Gláucia Cardoso